segunda-feira, 28 de outubro de 2019

Reencontro


Meu nome não importa, sou uma incógnita para a sociedade, com meus trinta e poucos anos, em busca ainda de um sonho, sem mulher e nem filhos, preso em um turbilhão de pensamentos inóspitos e sem nexo, minha mente está confusa, como um deserto, muitas dunas, uma longa caminhada para lugar algum debaixo de um sol escaldante e uma noite congelante, a vida me prega mais uma de suas peças, não tenho mais nada a perder, me encontro a beira desse abismo, a noite está bem escuras, ao meu redor encontro somente rochas calcárias, tão antigas quanto a vida terrena, insuportável os olhares invisíveis me observando e julgando aquele ato tão desprezível que é de perder algo que deveria dá continuidade, mas cada um sabe de suas escolhas, cada um sabe o que está acontecendo na sua mente, as sombras querem me sufocar, a noite é clareada com um leve brilho do luar que se esconde por trás das nuvens, onde também me escondo por trás de uma leve arrogância que me carece de desculpas pelo fim de uma busca.

Olho para baixo, tudo que vejo é uma esfumaçante névoa que impede que meus olhos doloridos e cansados possam enxergar o fundo desse foço. É com muito pesar que digo, preciso me libertar desse mundo que dilacera de dentro para fora e de fora para dentro, como se fossem milhares de navalhas rasgando minha carne crua.

Sou um homem desprezível, incapaz de aceitar qualquer palavra amiga, considere a bondade alheia ou o deus de outrem, porque aceitar? Nunca fui de aceitar ou concordar com credos de populares, de uma santa igreja ou da desprezível ameaça de perecer no inferno, onde o único mal que fiz em vida foi o de arcar com as consequências de perder a única coisa mais valiosa que um homem como eu poderia ter, a vida, mas sou um inútil, um infame preso pelo mal agouro de uma consciência irritante por querer ser bom demais.

Novamente faço o mesmo movimento de olhar o abismo por outro ângulo e com um simples gesto, me sento na beira, encurvo a perna e apoio com um dos braços, o outro braço serve de amparo para o corpo, tudo que vejo são rochas, sombras, nuvens, estrelas e um caminho sem volta, estava preso, confinado naquele lugar, é doloroso pensar que só preciso de um passo, a minha disposição de me jogar lá embaixo e deixar a gravidade resolver por mim o que por anos não tinha feito, me atirado de cabeça com toda a força na vida que me cercava por suas formas e cores, mas preferi me atrelar a sombras e sem movimento, quem sou eu afinal? É uma pergunta difícil de responder, uma resposta sem fundamentos. Não sei responder, não acho uma resposta, é tudo muito confuso. Nesse momento conflituoso, me apoio de mal jeito e de supetão, um vento forte me empurra, talvez esse fosse o estímulo que precisava, mas não foi eu, foi uma força maior que agiu contra a minha liberdade de escolha e eu caí nesse abismo, não gritei, não chorei, pelo contrário abri os braços, virei de bruços e sorri, estava realizando um sonho e foi com aquela mesma intensidade de mudanças que percebi algo, tudo não passara de um sonho bom, mas o desejo era real e refletia o que estava acontecendo naquele momento, um teatro de sombras me arrodeava, não passava de objetos inanimados, estagnados pelo tempo, a fumaça do cigarro ainda estava aceso, por um momento achei que fosse queimar a ponta de meus dedos, o vento do ventilador era bastante forte, mas naquela noite, o clima estava bastante frio. Talvez minha máscara tivesse caído, era meu único rosto, o rosto de sempre, precisava dele, então coloquei de volta, apaguei o cigarro e voltei a dormir, buscar sonhar com esse reencontro, buscar sonhar com o abismo.

sábado, 21 de setembro de 2019

A mansão da família Silva



Naquela região da Vila de Extremoz, se encontra um antigo casarão que já foi palco de vários massacres de escravos que fugiam dos senhores logo quando a vila foi criada, eles permaneciam na parte inferior da casa sendo massacrados noite após noite, até serem mortos, movidos pela sede de vingança, o ódio foi tomado naquele ambiente até que objetos na casa são derrubados e afastados, portas são trancadas, gritos e sussurros são ouvidos durante a madrugada, passos trotando na madeira ainda fúnebre e correntes se arrastando ouve-se durante uma pernoite naquele lugar. A mansão antiga possui uma grande cozinha, uma sala, uma pequena biblioteca e vários quartos, tanto na parte de baixo quanto em cima. A casa é mantida por caseiros, que a todo mês é mudado, por não suportar permanecer naquele ambiente pesado.
Ao passar uma noite naqueles aposentos se ouvem alguns sussurros e passos, mas nada se encontram nem na parte inferior e nem superior, a mansão é mantida a noite pela luz de lampiões que chegam a apagar em alguns momentos, mas durante a madrugada, uma canção fúnebre ao som arrepiante de uma brisa suave é capaz de estilhaçar qualquer alma, por mais pura que seja. No depoimento de alguns caseiros que residiram e não vivem mais no local, conta-se pela população, que aquele lugar é amaldiçoado, sombras dos escravos são vistos perpassar quando os olhos não são cuidadosos, é nesse momento que se escuta estalar nos móveis, lampiões se apagam vultos de mulheres negras com vestes brancas se percebem entrar em alguns quartos.
As vezes parece que dentro da casa não se vê as horas, as janelas antigas, calejadas com o tempo são de amedrontar o espírito, as portas antigas ainda trancadas tanto por dentro, quanto por fora não permite que a luz entre naquele lugar maldito, que foi assolado pelo ódio dos que foram maltratados, as paredes ainda sustentam a história e o convívio dos antigos moradores, a sacada em frente a mansão, tantos momentos usados pela Sinhá, hoje local para sussurros de almas penadas chamando os bêbados em noites de lua cheia, não se chega nem perto, é o que os mais velhos dizem, aquele local foi esquecido pela humanidade.
Os cômodos da casa ainda possuem seus antigos formatos, as paredes brancas e lisas, o chão azulejado, algumas molduras de quadros com antigas pinturas retratam os tempos de glória, quando ainda havia paz, mesas e cadeiras coloniais ainda empoeiradas, estão envoltos a um ar sombrio que reflete no momento presente em que se entra no recinto, no antigo escritório, a velha escrivaninha ainda sustentada pelos papéis de cartas e outros documentos ainda presentes, alguns livros se encontram em alguma estante da parede, parecem livros de economia, mas um livro se encontra perdido ali, sim, um livro com capa negra e bordas prateadas, porém fechadas com um cadeado prateado, este livro especificamente de capa dura e páginas amareladas não possuem nenhum nome marcado nele.

Na primeira Página deste livro, está escrito:
Vila De Extremoz, 1870

Este é um grimório que relata tudo que está descrito aqui, nada foi em vão, em tudo há um proposito dentro de nossa ordem, meus confrades e eu reunimos alguns trabalhos feitos pelas mentes mais brilhantes a qual nenhum ser comum é capaz de suportar. A sede pelo poder nos trouxe consequências catastróficas, uma factalidade para minha família, as cousas fugiram do controle e que “eles” tomaram controle da situação, sim, esses malditos demônios crioulos. Muitos dos meus negros estavam aqui a anos, famílias inteiras, trabalhavam na minha plantação e nesta residência, alguns pensavam em fugir, sem sucesso,  infelizmente mal chegavam na mata, eram pegos e levados para a parte inferior desta mansão, lá partíamos do princípio de corrigi-los e se não eram corrigidos, usávamos nos rituais, sacrificamos alguns desses crioulos, mas tudo sem o devido sucesso, infelizmente, para nosso infortúnio, algo tomou controle sobre essa residência, a paz que um dia houvera se esvaía como as horas, a cousa carcomia os gritos com uma fome incessante, se alimentava do nosso medo, os objetos  eram arremessadas contra nossos corpos, devido aos fatos recorrentes, minha esposa, Rosa, se enforcou em nosso quarto, nossos filhos foram levados antes para a capital norte-rio-grandense, ignorantes pelo ocorrido nada souberam, a única informação que tiveram da mãe foi que ele morreu de uma doença repentina. Minha vida quase foi tomada por essas forças, ainda vejo as sombras e o ar congelante que me perseguem, ainda sinto os olhares raivosos desses malditos, deixo aqui este livro e as demais páginas descritas nele como prova do que ocorreu e alguns dos rituais. Existe uma outra cópia deste manuscrito, e umas variedades a mais de cousas irão nos amedrontar pelo resto de nossa ínfima existência. Deixo aqui então, meus lamentos e toda minha família.
Orlando Silva

Obs.: Esta é apenas uma ficção, criado para uma adaptação de RPG em Daemon Trevas.