Naquela região da Vila de Extremoz, se
encontra um antigo casarão que já foi palco de vários massacres de escravos que
fugiam dos senhores logo quando a vila foi criada, eles permaneciam na parte
inferior da casa sendo massacrados noite após noite, até serem mortos, movidos
pela sede de vingança, o ódio foi tomado naquele ambiente até que objetos na
casa são derrubados e afastados, portas são trancadas, gritos e sussurros são
ouvidos durante a madrugada, passos trotando na madeira ainda fúnebre e
correntes se arrastando ouve-se durante uma pernoite naquele lugar. A mansão
antiga possui uma grande cozinha, uma sala, uma pequena biblioteca e vários
quartos, tanto na parte de baixo quanto em cima. A casa é mantida por caseiros,
que a todo mês é mudado, por não suportar permanecer naquele ambiente pesado.
Ao passar uma noite
naqueles aposentos se ouvem alguns sussurros e passos, mas nada se encontram
nem na parte inferior e nem superior, a mansão é mantida a noite pela luz de
lampiões que chegam a apagar em alguns momentos, mas durante a madrugada, uma
canção fúnebre ao som arrepiante de uma brisa suave é capaz de estilhaçar
qualquer alma, por mais pura que seja. No depoimento de alguns caseiros que
residiram e não vivem mais no local, conta-se pela população, que aquele lugar
é amaldiçoado, sombras dos escravos são vistos perpassar quando os olhos não
são cuidadosos, é nesse momento que se escuta estalar nos móveis, lampiões se
apagam vultos de mulheres negras com vestes brancas se percebem entrar em
alguns quartos.
As vezes parece que
dentro da casa não se vê as horas, as janelas antigas, calejadas com o tempo
são de amedrontar o espírito, as portas antigas ainda trancadas tanto por
dentro, quanto por fora não permite que a luz entre naquele lugar maldito, que
foi assolado pelo ódio dos que foram maltratados, as paredes ainda sustentam a
história e o convívio dos antigos moradores, a sacada em frente a mansão,
tantos momentos usados pela Sinhá, hoje local para sussurros de almas penadas
chamando os bêbados em noites de lua cheia, não se chega nem perto, é o que os
mais velhos dizem, aquele local foi esquecido pela humanidade.
Os cômodos da casa
ainda possuem seus antigos formatos, as paredes brancas e lisas, o chão
azulejado, algumas molduras de quadros com antigas pinturas retratam os tempos
de glória, quando ainda havia paz, mesas e cadeiras coloniais ainda
empoeiradas, estão envoltos a um ar sombrio que reflete no momento presente em
que se entra no recinto, no antigo escritório, a velha escrivaninha ainda
sustentada pelos papéis de cartas e outros documentos ainda presentes, alguns
livros se encontram em alguma estante da parede, parecem livros de economia,
mas um livro se encontra perdido ali, sim, um livro com capa negra e bordas
prateadas, porém fechadas com um cadeado prateado, este livro especificamente
de capa dura e páginas amareladas não possuem nenhum nome marcado nele.
Na primeira Página
deste livro, está escrito:
Vila De Extremoz, 1870
Este
é um grimório que relata tudo que está descrito aqui, nada foi em vão, em tudo
há um proposito dentro de nossa ordem, meus confrades e eu reunimos alguns
trabalhos feitos pelas mentes mais brilhantes a qual nenhum ser comum é capaz
de suportar. A sede pelo poder nos trouxe consequências catastróficas, uma
factalidade para minha família, as cousas fugiram do controle e que “eles”
tomaram controle da situação, sim, esses malditos demônios crioulos. Muitos dos
meus negros estavam aqui a anos, famílias inteiras, trabalhavam na minha
plantação e nesta residência, alguns pensavam em fugir, sem sucesso, infelizmente mal chegavam na mata, eram pegos
e levados para a parte inferior desta mansão, lá partíamos do princípio de
corrigi-los e se não eram corrigidos, usávamos nos rituais, sacrificamos alguns
desses crioulos, mas tudo sem o devido sucesso, infelizmente, para nosso
infortúnio, algo tomou controle sobre essa residência, a paz que um dia houvera
se esvaía como as horas, a cousa carcomia os gritos com uma fome incessante, se
alimentava do nosso medo, os objetos eram arremessadas contra nossos corpos, devido
aos fatos recorrentes, minha esposa, Rosa, se enforcou em nosso quarto, nossos
filhos foram levados antes para a capital norte-rio-grandense, ignorantes pelo
ocorrido nada souberam, a única informação que tiveram da mãe foi que ele
morreu de uma doença repentina. Minha vida quase foi tomada por essas forças,
ainda vejo as sombras e o ar congelante que me perseguem, ainda sinto os
olhares raivosos desses malditos, deixo aqui este livro e as demais páginas
descritas nele como prova do que ocorreu e alguns dos rituais. Existe uma outra
cópia deste manuscrito, e umas variedades a mais de cousas irão nos amedrontar
pelo resto de nossa ínfima existência. Deixo aqui então, meus lamentos e toda
minha família.
Orlando Silva
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